quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O PANO DA COSTA:



Para evitar equívocos de uso: O PANO DA COSTA!

Presença e distintivo do posicionamento feminino nas comunidades
religiosas afro-brasileiras, o pano-da-costa não é APENAS um complemento
da indumentária da mulher: É A MARCA DO SENTIDO RELIGIOSO nas
ações da mulher, como iniciada ou dirigente de terreiros (aqui no Brasil, claro).
Observemos a profunda conotação sócio-religiosa desse simples pedaço de
pano, que atua em diversificadas situações, desempenhando papéis dos mais significativos e necessários para a sobrevivência dos rituais africanos.
O pano-da-costa é chamado assim, por ter acompanhado os escravos da Costa
da Mina, Costa do Ouro. O tecido original foi substituído por outros tecidos, o
que não diminui em nada as suas funções.
Ele identifica a mulher "feita", iniciada aqui no país, mesmo que ela não esteja
usando suas roupas ritualísticas completas.
Protege na África, as costas das mulheres e serve ainda como "carrega-bebê".
Serve apenas para isso, só que no Brasil acabou virando indumentária
religiosa. Só que NÃO É.
O sentido protetor do pano-da-costa é um aspecto que merece relevância.
Ao terminar o período de iniciação, as yawós iniciam sua vida extra-terreiro,
no contato com o mundo exterior, protegidas pelo pano-da-costa branco, que
representa o prolongamento do Alá de Oxalá, envolvendo quase todo o seu
corpo, para manter os valores religiosos de sua iniciação, quando iniciam seu
contato com os valores profanos do nosso dia-a-dia.
Nos Axexés, a mesma proteção aparece, guardando as mulheres da presença
de Eguns. É DE USO EXCLUSIVO FEMININO, por ter entre suas principais
funções, a proteção dos órgãos reprodutores, das Yiamis Oxorongás.
Nos rituais de Axexé (fúnebres), as mulheres usam dois panos brancos: um
protegendo seus ventres e outro envolvendo seu colo e seios. Deve ter, no
mínimo 60cm de largura, para que seu intento seja atingido.
De alguns anos para cá, homens também aderiram o pano-da-costa e o usam
na cintura (protegendo não se sabe o quê) e não se explica esse procedimento.
Observando os Orixás manifestados, nota-se que as Yagbás o amarram na
cintura, enquanto os Orixás masculinos o usam amarrado no ombro, lembrando
um alaká (de uso exclusivo masculino) ou amarrado para trás.
Antes de usar complementos religiosos, convém-se que estude o assunto,
converse com pessoas que entendem sobre o assunto e não se "invente moda".
Venho notando tantos equívocos em nome da modernidade, que confunde
iniciados, leigos e mistura as Matrizes africanas.
Cada uma delas tem suas características específicas e Candomblé, Nações
e Culto à Ifá, embora tenham a mesma raiz, não são iguais!

— com Eunice DE Sousa.




AINDA SOBRE O PANO-DA-COSTA!



Pano-da-costa é a redução do termo “Pano da Costa do Santo e referia-se
aos panos de adorno, espécie de xales longos, que integravam o traje
típico das africanas e das crioulas da Bahia.
Chamam-se panos-da-costa, aos tecidos artesanais de origem africana.
Tais como os demais produtos importados da África, sabão-da-costa,
limo-da-costa, búzio-da-costa, e que tinham uso popular, são conhecidos
pelo adjetivo “da Costa”, embora a origem de alguns deles seja vária e
ainda controversa.
É, em suma, um xale retangular e é usado de várias formas: sobre as costas, jogados sobre os ombros, usados a tiracolo, cruzados na frente, amarrados
sobre o o busto ou na cintura, sobre as saias.
Tem uma variedade infinda, seja nas cores ou nas padronagens.
A África negra tem uma longa tradição textil, onde a variedade de materiais é
tão grande quanto os estilos encontrados. Utilizados como roupa, os tecidos serviram também de moeda, foram utilizados como mensageiros e objetos estéticos.
Diz-se com frequência, que os africanos eram mais escultores que pintores:
os tecidos podem ser considerados na África, substitutos da pintura.
Os primeiros “tecidos” foram realizados com casca de árvore batida; muito difundidos antigamente numa grande parte do continente, eles são encontrados atualmente sobretudo nas populações da África central, onde são, na maioria
das vezes, decorados com tintas vegetais (as capulanas).
A tecelagem só foi desenvolvida bem mais tarde, a partir do século 11,
mesmo se tecidos ricamente trabalhados já eram importados dos países da
África do norte, do Egito e da Península Arábica para vestir as populações das grandes cidades portuárias das costas orientais assim como os membros das classes nobres dos reinos do deserto do Sahel.
Nesta mesma época, a expansão do Islã, introduzindo novos códigos vestimentários, desempenhou um papel importante no desenvolvido que
sofreram os tecidos, sobretudo na África ocidental.
Os tecidos de fabricação local constituíram durante muito tempo bens raros e preciosos; marcas de poder e de riqueza, reservados a uma elite, eles foram integrados como moeda para troca, graças aos quais era possível estimar o preço de uma mercadoria e comprá-la.
Desde sua chegada nas costas do continente, no século 15, os traficantes europeus exploraram as possibilidades comerciais que ofereciam esta nova “moeda” e encorajaram indiretamente a produção textil local devido à sua utilização.
A quantidade de tecidos detidos por cada família foi considerada durante muito tempo uma marca de riqueza e de poder em muitas sociedades africanas.
Nas regiões onde o islã se instalou, como em todas as outras regiões onde o tecido se transforma em hábito vestimentar, a metragem e o peso do produto são proporcionais à fortuna e ao poder daquele que os possui: se este faz parte das pessoas influentes da comunidade, chefe político ou grande comerciante, sua numerosa corte que o segue quando ele sai deve ser como ele, enrolada em abundantes tecidos.
O poder se mede também na possibilidade de dispor de seus bens e de distribui-los e, entre eles, os tecidos constituem presentes excepcionais.
Dar tecidos como presente possibilita a solução de inúmeros conflitos e libera as tensões. Esses presentes são feitos em momentos importantes da vida de cada
um (maioridade, casamento, nascimento dos filhos).
A ascensão social ou religiosa ou o pagamento de serviços não pode acontecer sem a distribuição de tecidos. Para manter boas relações com a família, os amigos, os vizinhos, para ser admitido numa seita, cada pessoa é incitada a dar tecidos e a recebê-los.
A posse de uma grande quantidade de tecidos aumenta o prestígio do seu proprietário, o que lhe possibilita uma maior participação na vida comunitária,
onde o princípio da dívida é a base de toda relação social e econômica.
Mas o tecido não é somente moeda ou roupa: ele representa também, de acordo com seu estampado, uma espécie de texto onde podem ser “lidas” a identidade social e religiosa daquele que o usa: a decoração, seja ela impressa, tingida, pintada, tecida ou costurada, representa os espaços, os objetos, os seres e as metamorfososes presentes na mitologia.
Por este motivo, os tecidos têm um papel importante na vida ritual: os mortos, mesmo no seio de sociedades que não possuem tecelões, são vestidos ou envolvidos em tecidos, tornando-se assim protegidos pela palavra dos vivos.
(Samuel Abrantes)

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