Em algum ponto da sua jornada espiritual, todo estudante sério da sabedoria tem necessidade de saber se está fazendo progresso. Quais são os sinais do crescimento espiritual? Há estágios definidos de crescimento? Em que momento é necessária a ajuda de um guru?
Todas as tradições espirituais recomendam que não nos preocupemos com o progresso. Conta-se aquela história de um discípulo a quem foi dito que necessitaria dez anos para alcançar a auto-realização. Ele quis saber se, trabalhando duro, poderia alcançar a meta em menos tempo. A resposta foi que neste caso ele demoraria muito mais tempo, porque, enquanto há preocupação em alcançar a meta, não é possível dar o melhor de si para a busca espiritual.
A obra “Luz no Caminho” recomenda:
“Cresça como cresce uma flor, inconscientemente, mas com um profundo desejo de abrir sua alma para o ar. Do mesmo jeito, você deve fazer um esforço para ir adiante e abrir sua alma para a eternidade.”
No entanto, é recomendável praticar a auto-observação ao final de cada dia, para tornar-nos conscientes dos nossos pontos fortes e das nossas fraquezas, tomando uma decisão eficaz de não repetir os erros.
O desenvolvimento espiritual é um processo lento. Como bons jardineiros, devemos preocupar-nos somente com a tarefa de nutrir bem a planta da alma, sem forçar o seu crescimento. Ela pode não estar suficientemente forte para produzir frutos quando nós queremos, mas algum dia ela produzirá. Basta para que isso aconteça que não sejamos ansiosos e que a alimentemos corretamente. “Aprender significa estar contentes, ou melhor, resignados com nós mesmos e nossas limitações, mesmo enquanto lutamos para ir além delas …… Não podemos viver todos nós imediatamente à altura destes altos ideais, como alguns outros conseguem”, escreve William Judge. [1]
Talvez durante um longo tempo não haja quaisquer sinais visíveis do nosso progresso. Mas o importante nesta jornada não é o quanto nós progredimos. O importante é em que direção estamos avançando. Há certos fatos que indicam se estamos mudando e crescendo, e se estamos na direção certa. Certas experiências e intuições são comuns a todos os aspirantes espirituais.
Pessoas diferentes têm modos diferentes de progredir. Cada um abre para si mesmo um caminho único. O processo não ocorre como se alguém avançasse por um caminho lamacento, deixando detrás de si pegadas inconfundíveis que os outros podem seguir para alcançar a meta. H. P. Blavatsky também disse:
“Não sigam a mim, nem meus passos, mas sigam o Caminho que eu indico.”
Cada ser humano é único, e embora haja certas experiências básicas pelas quais todos têm de passar, os passos exatos e o ritmo de crescimento não são os mesmos. O Buddha diz que o caminho de uma pessoa que alcançou a auto-realização “é tão difícil de determinar como o vôo dos pássaros pelo céu”.
Quando começa o processo da mudança, podemos ver a transformação nos planos físico, mental, emocional e moral. À medida que progredimos, somos capazes de permanecer serenos e continuar com nosso trabalho mesmo quando o corpo está doente, porque somos capazes de dissociar-nos do corpo.Mais adiante, percebemos que temos maior controle dos nossos pensamentos e emoções. Há menos necessidade de depender dos outros. O antigo desejo por novidades e sensações é lentamente substituído pela satisfação da paz. Podemos descobrir que perdoamos mais e temos mais compaixão, e que aceitamos mais facilmente as pessoas e as circunstâncias.
Há uma transição gradual no sentido de estarmos menos centrados em nós mesmos. Passamos a ser mais solidários e altruístas, e isso forma a essência do verdadeiro progresso. Janki C. dá uma descrição do processo quando diz que, no primeiro estágio, estamos na Idade da Inocência, e esperamos, como crianças, que alguém nos ame e cuide de nós. Deus existe para atender os nossos desejos. O estágio seguinte é a Idade da Desilusão. Ao ver a realidade da vida, muitos se tornam cínicos e materialistas. Vem depois a Idade da Responsabilidade, quando o buscador começa a assumir o controle da sua própria vida.
Mais tarde ele avançará para o estágio seguinte, a Idade da Solidariedade. Nela, ao invés de querer que os outros compartilhem da sua dor, ele deseja aliviar a dor dos outros. A Idade da Iluminação ocorre muito depois da Idade da Solidariedade. Agora o amor se torna universal, e há uma completa identificação do indivíduo com os outros seres. É a culminação do crescimento espiritual. É o estágio do auto-realização. [2]
Nesta jornada em direção à perfeição espiritual, cada tradição religiosa fala de estágios definidos, que são marcos referenciais do crescimento interior. Por exemplo, no livro budista Mahayana “A Voz do Silêncio”, vemos quatro estágios de aperfeiçoamento espiritual, começando com Srotapatti, “aquele que entrou na corrente” que leva ao oceano do Nirvana. Este é o primeiro Caminho. O segundo é Sakridagamin, “aquele que nascerá só mais uma vez”. O terceiro é chamado de Anagamin, “aquele que não reencarnará mais”, a menos que decida fazer isso para ajudar a humanidade. O quarto é conhecido como Rahat ou Arhat. Este é o mais alto. Um Arhat vê o Nirvana durante a sua vida. [3]
Sangharakshita, um instrutor budista, explica estes estágios em seu livro “A Guide to the Buddhist Path” . Ele assinala que segundo o budismo há dez grilhões prendendo a pessoa à Roda da Vida ou bhavachakra. Aquele que entra na corrente (Srotapatti) é alguém que desenvolveu uma grande percepção espiritual sobre a natureza da existência, e foi capaz de quebrar três dos dez grilhões.
Os três grilhões são os seguintes:
1. Satkaya-dristi ou visão baseada na personalidade. Satkaya-dristi é a visão equivocada de que “eu sou eu”, um homem ou uma mulher com um nome especial, ao invés de ser uma parte inseparável do todo. Esta é a ideia de que o “eu” constitui alguma coisa em si mesmo; de que eu, tal como me conheço aqui e agora, com este corpo e esta mente particulares, sou uma espécie de entidade fixa e imutável. Em outras palavras, este grilhão é a crença de que o “eu” é algo real. Você não pode entrar na Corrente enquanto não tiver se afastado de nome e forma, da existência pessoal, de todas as coisas em que você pensa como sendo “você”. Isso não significa dizer que não existe um “eu”, mas significa admitir que todos os aspectos do seu ser estão sujeitos a mudança. Quebrar este grilhão é compreender que depois da morte não existe nem a completa aniquilação da identidade pessoal, nem tampouco a persistência imutável da identidade pessoal. O budismo ensina um caminho do meio. Mesmo quando o corpo morre, não há uma alma-eu imutável que continue. É o processo − mental, psicológico, espiritual − que continua, em toda a sua complexidade, sempre mudando e fluindo como uma corrente.
2. O segundo grilhão é vicikitsa ou dúvida cética. É a dúvida ou indecisão de uma pessoa que “fica no muro”, oscilando o tempo todo, sem comprometer-se. Vicikitsa é a recusa a comprometer-se sem reservas com a vida espiritual; você ouve falar dela, você fala sobre ela, mas continua ficando para trás. Como você poderá se tornar Aquele que entra na Corrente, se insiste em permanecer na margem? Se quiser nadar, não adianta ficar alimentando dúvidas agarrado à beira. Você deve saltar. Vicikitsa é um medo do salto e uma recusa a comprometer-se.
3. O terceiro grilhão é silavratta-paramarsa . É pensar que as regras religiosas e éticas são fins em si mesmas. O Buddha sempre disse que os preceitos éticos, as observâncias religiosas e mesmo o estudo das escrituras são como um barco, um instrumento para alcançar uma meta. Você não carrega o barco na sua cabeça depois que ele cumpriu a função de permitir que você cruzasse o rio. Os preceitos e as práticas se tornam grilhões, quando nós os cumprimos sem a devida reflexão. O apego à moralidade convencional não pode levar-nos muito longe no caminho espiritual. Há pessoas que parecem muito éticas e nobres, e cumprem todos os preceitos, mas sofrem de uma certa obsessão em relação à sua própria virtude e têm uma atitude de quem pensa que “é mais espiritual que os outros”.
De acordo com a "tradição budista", uma vez que o indivíduo quebrou os três primeiros grilhões e alcançou o primeiro estágio − de Srotapatti −, ele tem diante de si só mais sete encarnações, antes de alcançar o Nirvana.
O segundo estágio do caminho é o estágio daquele que voltará uma só vez, Sakridagamin. Como ser humano, ele viverá na terra uma última encarnação. Ele quebrou três grilhões, e enfraquece outros dois, que são kama-raga, o desejo de existência sensorial, e vyapada, raiva ou animosidade.
O terceiro estágio é o daquele que não retorna, Anagamin. Ele quebra estes cinco grilhões, de modo que não nasce mais no plano humano, mas renasce nos planos chamados “moradas puras”. O quarto estágio é o de Arhat (“o digno”), que alcançou a iluminação ao quebrar a outra série de cinco grilhões, mais elevados.Assim, podemos ver que a jornada é longa.
Na tradição de Raja Ioga, há vários graus de discipulado (chelado).
Há chelas leigos, e há aqueles que estão tentando chegar à condição de chelas leigos. “Um chela leigo é um homem do mundo que afirma o seu desejo de tornar-se sábio nas coisas espirituais”. A seguir, o indivíduo se torna um chela leigo em provação e, finalmente, um chela aceito.
Quanto aos chelas em provação, há uma regra segundo a qual eles devem inevitavelmente passar pelo menos sete anos de testes. Estes “testes” não são provas fixas. É examinada a atitude do chela diante de vários acontecimentos e circunstâncias que surgem em sua vida. Ao final do período ele pode ser aceito ou reprovado. O chela em provação estuda sob a orientação de um chela mais antigo. Um chela em provação deve trabalhar inegoisticamente pela humanidade e tentar libertar-se da ideia de “eu” pessoal, cultivando a intuição. Algumas das qualificações esperadas de um chela são: perfeita saúde física; absoluta pureza mental e física; intenção destituída de egoísmo; solidariedade universal e compaixão por todos os seres vivos; veracidade; firme confiança da lei e uma percepção intuitiva de que ele é um veículo ou instrumento do Atma divino.[4]
Estas condições devem ser alcançadas na natureza interior do chela por seus ESFORÇOS SEM AJUDA. Além disso, é apenas quando obtém o controle do seu corpo ( sharira); dos seus sentidos (indriya); e quando domina seus erros (dosha) e seu sofrimento (dukha), reconhecendo em Atma o mais alto princípio de orientação individual, que o chela passa − de acordo com regras em vigor há muito tempo − a ser ensinado por um dos Iniciados. Neste ponto ele torna-se um chela aceito.
No estágio de chela aceito, o indivíduo é colocado frente a frente com seu Mestre e é instruído em ocultismo prático. Isto não acontece rapidamente. É um processo longo e lento. Quando o Mestre (Guru) começa realmente a ensinar, ele assume como se fossem seus − de acordo com a Ciência Oculta − os erros daquele aluno. Isto ocorre em relação aos erros cometidos por ação ou por omissão, até que o aluno alcance o estágio de adepto, através das iniciações, e se torne por sua vez plenamente responsável. Até o estágio de chela aceito, na tradição de Raja Ioga, o chela não tem permissão de usar os poderes que possa ter adquirido.
William Judge, em seu artigo “Of Occult Powers and Their Acquirement”, conta que os poderes adquiridos podem ficar adormecidos e paralisados como as rodas de uma caixa de música. É preciso dar a corda na caixa musical, para que o mecanismo funcione. O Mestre pode dar corda e colocar o processo em andamento; mas ele também pode se recusar a dar o impulso necessário. Além de recusar-se a dar o impulso, ele pode também evitar que as engrenagens se movam. Na medida em que ele vê claramente a motivação e a disposição do aluno, ele também pode fazer uma exceção.
É por isso que encontramos esta recomendação em "A Voz do Silêncio”:
“Prepare-se, porque você terá que viajar sozinho. O Instrutor só pode apontar o caminho.”
Enquanto o buscador não tiver alcançado o estágio em que ele possui autoconfiança, intuição e um completo controle da sua natureza pessoal, ele só terá a ajuda dos planos internos do seu ser, através de indícios, ideias e inspiração. Se um Mestre fosse ajudar ou interferir em cada estágio, não haveria crescimento. O fato é ilustrado pela história do homem que encontrou um casulo de borboleta, no qual já havia uma pequena abertura. Ele observou durante várias horas a luta da borboleta para romper o casulo e libertar-se. Decidiu ajudar a borboleta. Para isso, cortou com uma pequena tesoura o que faltava romper do casulo. Como resultado, a borboleta emergiu com um corpo inchado e um par de asas pequenas e enrugadas, e ficou sem poder voar pelo resto da vida.
Acontece que, no processo natural, à medida que a borboleta tenta abrir caminho através da pequena abertura no casulo que a prende, o fluido se transfere do seu corpo para as asas. É assim que as asas se expandem, se fortalecem e ficam prontas para o vôo. “No mundo mental, assim como no mundo espiritual, cada homem deve avançar por seus próprios esforços”, escreveu H.P. Blavatsky.
Fonte: Filosofia Esotérica
Por Mavi Hostettler/www.essencia.ning.com
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