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domingo, 18 de agosto de 2013

CIGANOLOGIA BRASILEIRA:







Folcloristas brasileiros no fim do século XIX e o pioneirismo de Alexandre Mello Moraes na ciganologia brasileira









O presente trabalho tem por objetivo um estudo da historiografia existente acerca do povo cigano baseado na obra de Alexandre José de Mello Moraes Filho (1844-1919), um dos principais estudiosos da Ciganologia. A literatura que se refere ao tema surge no Brasil em 1885, período de valorização da cultura brasileira com os folcloristas.


Apresentação e hipóteses para a origem dos Ciganos


A curiosidade acerca de grupos ciganos não é nova. Do mesmo modo que sempre chamaram atenção também causaram medo e repulsa. O que faziam aqueles grupos nômades com mulheres nas ruas lendo a mão de outréns? De onde vieram e como aprenderam tal ofício?


As primeiras explicações populares eram apenas negativas: ladrões, vagabundos, pedintes. Mas aquelas pessoas com hábitos tão próprios deveriam ter algum diferencial a mais do que estas qualificações simplistas e preconceituosas.


Embora este povo tenha se inserido em nossa sociedade a partir de 1574, apenas em 1885 aparece seu primeiro estudo, ou seja, uma diferença de 311 anos. E desde o início da Ciganologia no Brasil o autor mais citado em diversos trabalhos é Alexandre José de Mello Moraes Filho (1844-1919), não apenas por ser o precursor, mas pelo estudo realizado com pesquisa documental e de campo.


Não podemos lidar com a trajetória cigana da mesma forma com que tratamos do percurso de outros povos que possuem documentos e registros escritos pelos próprios. É um povo iletrado e a sua história é contada a partir do contato com outras sociedades; os interessados na reconstrução de sua história usaram, principalmente, acervos de arquivos oficiais de locais por onde eles passaram.


Além disso, precisamos lidar com o imaginário popular que abrange mitos, lendas e demais representações simbólicas sobre desta minoria. Por não professarem a mesma religião local, por seus costumes, por ser um grupo fechado, por danos que causaram, pelas perseguições, são julgados como ladrões, hereges, vagabundos; e qualquer indivíduo identificado como pertencente a este grupo é, através de uma imagem pré-estabelecida, analisado negativamente. Estes estereótipos constam de livros de literatura até de dicionários, como a descrição relatada noPequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (Cia. Ed. Nacional, 11º edição, São Paulo, 1977 pg. 105) “ Cigano: s.m. Homem de raça errante, que vive de ler a ‘buena dicha’, barganhar cavalos, etc. (sin.: gitano, em São Paulo e no centro de Minas Gerais, quico). Indivíduo boêmio, erradio, de vida incerta, vendedor ambulante, adj. Ladino, trapaceiro, errante, boêmio”.


Sobre suas origens ainda trabalhamos com hipóteses. Já foram levantadas possibilidades de procedência como a indiana, egípcia, de locais da Ásia como a Tartária, Mesopotâmia, Cáucaso, Fenícia ou Assíria. Essa problemática trouxe lendas, opiniões e proposições que variam de relatos bíblicos, de explicações através de suas profissões, a análises comparativas de seus costumes e linguagem com outros de diferentes povos, o que é bastante complicado, pois, por onde passavam adquiriram diversos costumes. Ainda há divergência entre pesquisadores da ciganologia, mas os estudos mais recentes apontam para a origem indiana.


A respeito de sua dispersão, sabemos que há séculos eles percorrem diversos territórios pelo mundo. Examinando obras disponíveis podemos trilhar, da melhor forma, a época e o caminho que os ciganos fizeram. Com as informações obtidas, acredito que os antepassados dos ciganos foram identificados por volta de 1050 através de uma solicitação do imperador de Constantinopla de feiticeiros e adivinhos chamados de Adsincani para matar uns animais ferozes. Alcançaram a região dos Balcãs nos primeiros anos do século XIV e depois de um período de 100 anos já estavam espalhados por toda a Europa. Distribuíram-se por várias zonas geográficas da Europa, mas as razões históricas que levaram ao seu nomadismo devem-se essencialmente à sua difícil integração social. Os preconceitos e a hostilidade geraram diversos tipos de perseguições: eram vistos como malditos ou enviados do demônio, o fato de praticarem a quiromancia e adivinhação fez com que fossem repudiados e excomungados pela Igreja Católica, foram vítimas tanto da Inquisição quanto do Holocausto, proibidos de usar os seus trajes típicos, de falar a sua língua, de viajar, de exercer os seus ofícios tradicionais ou até mesmo de se casar com pessoas do mesmo grupo étnico, escravizados em locais como Romênia, Sérvia e Hungria, esquartejados e enterrados vivos em pântanos. Acusados de heresia, bruxaria e diversos crimes na Península Ibérica.

Sem ter uma pátria, a história comprova que o grande talento dos ciganos foi conseguir sobreviver em meio aos mais diversos povos e para resistir aos golpes de repulsa e assimilação forçada, permaneceram valorizando suas tradições.


No Brasil, não muito diferente de outras partes do mundo, o cigano era reduzido a um estereótipo contrário a boa sociedade. Através da legislação portuguesa sabe se que o primeiro cigano a chegar ao Brasil foi José de Torres, pertencente ao grupo Calon, pois dele se dá noticias na solução de D. Sebastião em 1574, pela qual a pena de Galés que lhe fora imposta foi o desterro para o Brasil com mulher e filhos. A presença de ciganos em nosso território é constante a partir do século XVII e isso é comprovado através de alvarás como o de 1689 que trata da deportação deles para o Maranhão. Desde sua chegada incomodaram e se transformaram em motivo de vários alvarás.


Os ciganos vêm sobrevivendo há séculos como uma minoria espalhada pelo mundo e tem condições de sobrevivência como grupo étnico inserido em diferentes sociedades dominantes, pois sua organização social lhe oferece mecanismos para continuarem essencialmente fechados, com modo de vida próprio, sem necessidade de se prender, quer a contextos geográficos quer a sociais, econômicos ou políticos.


Acreditando no método de convivência direta com o grupo, o estudioso Alexandre Mello Moraes Filho analisa suas influências na nossa formação. Chega a afirmar na obra de 1886 que “... a reprodução entre si (dos ciganos) deu-se em grande escala; o cruzamento com as três raças existentes efetuou-se, sendo o cigano a solda que uniu as três peças de fundição da mestiçagem atual do Brasil.” (MORAES FILHO, 1886:27). Foi o primeiro tradicionalista do seu tempo, encabeçando campanha pela valorização de festas, autos e bailes populares, muitos dos quais encenou. O Cancioneiro dos Ciganos e Ciganos no Brasil foi o livro pioneiro nos estudos ciganológicos no Brasil e traz um autor - segundo Silvio Romero, dos mais conhecedores da literatura contemporânea brasileira.


No século XIX há a valorização das manifestações populares e com isso a criação e o desenvolvimento dos estudos folclóricos na Europa (período de organização e formação dos Estados) e América como forma de oferecer elementos para definir a nação. Esses estudos variavam de elementos da cultura popular oriundos de grupos maiores - como os negros no Brasil - e de menores como no caso do trabalho sobre ciganos de Mello Moraes. Essas pesquisas possibilitavam discutir elementos para a nacionalidade brasileira.


Precursor da Ciganologia brasileira – segundo Silvio Romero um dos autores mais conhecidos da literatura contemporânea brasileira - Alexandre José de Mello Moraes Filho (1844-1919) nasceu em Salvador a 23 de fevereiro de 1844, foi jornalista, cronista, poeta e médico formado na Bélgica. Matriculou-se no seminário de São José no Rio de Janeiro, mas não ficou até a ordenação, mesmo tendo pregado determinados sermões. Fez do jornalismo e da literatura instrumentos para divulgar valores nacionais, pesquisas e estudos folclóricos. Redigiu o jornal Eco Americano em Londres; foi diretor do Arquivo Municipal do Rio de Janeiro até 1918; animador cultural, fazendo campanhas para valorizar as festas tradicionais e encenou cultos e bailes populares. A partir dele se lançou às sementes da Ciganologia no Brasil, especificamente na cidade do Rio de Janeiro nos fins do século XIX. Marca o início dos estudos que tardaram em se consolidar.


Posteriormente temos no Brasil, como destaque, o trabalho de José B. D’Oliveira China (1936). China em seu livro Os Ciganos do Brasil faz um estudo bastante satisfatório, usando como fontes outros autores, jornais, alvarás, dicionários históricos, geográficos e etnográficos. Ele aborda detalhadamente na primeira parte do livro as hipóteses de origens; a dispersão pela Europa e, posteriormente, Brasil; suas adaptações; na segunda parte trabalha os subsídios etnográficos, ou seja, características físicas e a terceira parte baseada nas contribuições lingüísticas com informações sobre o dialeto cigano e comparações com outros idiomas, origem de suas palavras e as diferenças notadas em seu vocabulário que varia devido a sua localização.


O primeiro livro de Mello Moraes a respeito deste grupo foi O Cancioneiro dos Ciganos – com trovas líricas, elegíacas, funerárias e cantigas – em 1885 e em 1886 complementou seu estudo com Os Ciganos no Brasil. Seu trabalho é baseado em depoimentos e convivências com aproximadamente 500 ciganos, além de outras pesquisas de autores europeus, Ordenações e Cartas de Lei. Pelo fato de ser um estudo precursor seus sucessores enriqueceram muitas de suas informações e também contestaram outras.


A respeito da obra de Mello Moraes, o livro possui falhas advertidas por Silvio Romero como superstições que Mello Moraes Filho julgava serem ciganas, mas na verdade eram européias. Há exageros como a referência que os ciganos fazem parte da miscigenação nacional assim como os negros, portugueses e índios, eles não vieram em número suficiente para isto. O livro não faz citações sobre nenhum tipo de costume alimentar, apesar de serem nômades e se adaptarem as condições locais, não há informações sobre estes hábitos. Mas nada que diminua seu valor histórico, tanto sua importância no período que foi escrito quanto hoje, mais de cem anos depois e ainda livro mencionado em diversas outras obras.


Como avanços da pesquisa de Mello Moraes, devo destacar a preocupação com o vocabulário – o que não ocorre comumente -; com as trovas e cancioneiro como forma de conhecer as artes; é interessante a utilização de bastante documentação e relatos de convivência; rezas (crenças) e a vida de personagens como o Sr. Pinto Noites.


Quanto à importância da obra, é fundamental para se iniciar os estudos sobre este povo, pois abrange vários aspectos importantes e é referência para diversos livros posteriores, tanto pela rica documentação que utiliza, quanto pela convivência que o autor teve com os ciganos - a rigor as ciências do século XIX postulavam distância para um trabalho crítico, o que Mello Moraes ignorou.


No contexto atual onde os estudos culturais ganham grande espaço, a releitura da obra dos folcloristas expõe um rico exercício de repensar como foram sendo construídas as imagens nacionais e as interpretações destes estudiosos.








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